Por Gláucia Nogueira
Há monstros pela cidade,
Corpingú, cuidado. Não vai lá não, não liga para a janela aberta e a liberdade
sagrada de todos os gatos. Deixa isso pra lá.
Olha a almofada, tão
macia, o sofá gostoso onde a tua dona te deixa esfregar as costas e dormir o
dia inteiro. Olha a irresistível caixa de papelão para brincar de esconder, o
tapete peludo, o arranhador feito especialmente para ti e que tu não ligas. Tanta
coisa boa nesta casa para te distraíres, e ficas aí a espreitar uma
oportunidade. Não sai, a rua é perigosa.
Há monstros pela cidade,
Corpingú. Chamam-nos crianças. Dizem que são inocentes... mas outro dia vi um
grupo deles a jogar à bola de um lado para o outro, a acertar uns e outros com
a pequena esfera, numa enorme algazarra de alegria, típica das crianças. Mas,
acredita, de repente a bola caiu... e eles continuaram a correria, mas a bola,
imagina, a bola era um gato. Um filhote de uns três meses, que ficou lá no chão
desorientado, tonto, tive de fazer com que fugisse rápido e se escondesse.
Lembra dos teus irmãos
eletrocutados em cima de uma casa por um fio desencapado? Lembra tua mãe
esticada no meio da rua... Teus filhotes que comeram veneno, teu primo que teve
a cabeça esmagada por uma pedra, e quem fez isso era um ser humano... de apenas
11 anos, que depois contou aos colegas, com todos os pormenores, a façanha. Tem
certos casos, Corpingú, que nem tenho coragem de te contar. Como o do fogo, da água quente, do afogamento.
E se aparece o facínora
matador de cachorro? Ou você acha que gato ele poupa?
Por isso te digo, cuidado,
não vai. Porque nem tudo eu posso fazer, às vezes escapa. Por isso te digo,
fica com juízo, perto das pessoas que te amam e não queiras te afastar delas.
Não imaginas os perigos dessas ruas. Viver é muito perigoso, Corpingú, para um
bicho inocente. Bicho homem é que toma conta de tudo.
Fica bem,
Teu anjo